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"Contos Naturais", de Carlos Fuentes, para a Pnet Literatura

O meu texto sobre "Contos Naturais", de Carlos Fuentes, para a Pnet Literatura

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Carlos Fuentes foi um escritor de nacionalidade mexicana e pertenceu ao denominado “boom” da literatura latino-americana, juntamente com Gabriel Garcia Marquez e Mário Vargas Llosa.
O seu mérito literário foi reconhecido com a atribuição do Prémio Cervantes 1987, Prémio Príncipe das Astúrias 1994, da Legião de Honra atribuída pelo governo francês 2003 e da Grã-Cruz da Ordem de Isabel, a Católica 2008.
Carlos Fuentes faleceu em Maio de 2012.
“Contos Naturais” é uma colectânea de contos onde são debatidos conceitos milenares e existenciais como a moralidade, a inocência, a consciência, a liberdade.
Há neste conjunto de 6 narrativas curtas uma que deve ser destacada, pois consegue concentrar os temas que estarão presentes em mais três (“As duas Elenas”,“Malintzin das Maquilas” e “A Criada do Padre”). Intitula-se “Velha Moralidade” e é o primeiro conto do livro.
“A Linha da Vida” e “Uma Alma Pura” são uma abordagem diferente a uma temática comum a todas as ficções presentes no livro: a libertação do ser humano.

Em “A Velha Moralidade”, a  ausência e construção de moral são o eixo temático da narrativa.
Alberto é uma criança que não vê maldade nas mentiras que conta, pois não tem consciência de que está a fazer algo de errado.
“[O Padre] Pediu-me que não tivesse vergonha e lhe contasse tudo porque nunca tivera de preparar um rapaz tão cheio de pecados como eu (...) Eu limitava-me a espremer a cachimónia pensando quais seriam os meus pecados tão feios e como estávamos ambos ali, na igreja vazia, olhar para a cara um do outro sem saber o que dizer, pus-me a recordar os filmes que tinha visto e comecei a despejar bravatas: que assaltei um rancho e levei, além das galinhas, todo o dinheiro (...)” Pág. 17
Se em “A Velha Moralidade” a ausência de maldade é característica de uma criança ingénua, já em “As Duas Elenas” a moralidade é posta à prova pela racionalidade e pulsão sexual.
A malícia e a insinuação habitam as descrições narrativas e são sintomas da emocionalidade das personagens. À monogamia defendida pelo catolicismo, Elena responde com a naturalidade de um ser entregue a uma ordem de valores hedonista. Estamos perante o ponto de vista oposto a “A Velha Moralidade”. Se a visão de Alberto é formada pela ausência de consciência da moralidade, já a de Elena mostra a negação do pensamento religioso e a substituição do mesmo por outra escala de valores.
“Não é verdade que tenho razão? Se um ménage à trois nos dá vida e alegria e nos torna melhores nas nossas relações pessoais entre três do que éramos na relação entre dois, não é verdade que isso é moral?” Pág. 29
Em “A criada do padre” continuamos perante a relação tortuosa entre pecado-religião-libertação do indivíduo.
Neste conto, a presença de dois personagens masculinos permite a Carlos Fuentes mostrar a antagonia entre as características psicológicas dos mesmos. Nas ficções anteriores, o papel do homem exemplifica a falsidade, a insensatez, a perfídia. Já em “A criada do padre”, apesar do carácter malévolo do padre Benito (a religião é uma constante neste livro), existe uma figura masculina que irá ajudar Mayalde a libertar-se. É uma nuance importante no papel do homem.
“Quando o padre Benito desceu até à aldeia para dar a extrema-unção ao padeiro, já Mayalde entregava a sua virtude a Félix. O padeiro demorou a morrer e o casal de jovens pôde amar-se com tranquilidade, escondido atrás do altar da pacificadora. As roupas eclesiásticas serviram de cama fofa e o cheiro pertinaz do incenso excitava-os - a ele por ser exótico; a ela por ser habitual; a ambos por ser sacrílego” Pág 97
“Uma alma pura” e “A linha da vida” acrescentam algo mais a esta obra. Ambas as narrativas abordam a libertação do ser humano através da morte. No primeiro caso, Juan Luís, ao ver-se derrotado pelas dramáticas circunstâncias, opta por determinar o seu próprio destino. É a emoção que o leva a percorrer o caminho que ditará o fim. Já em “A linha da vida”, a libertação pela morte acontece através das mãos de outrem. No entanto, a entrega a esse destino é decidida, até certo grau, pela própria vítima. A (des)motivação vem de factores emocionais, é certo, mas também de privações físicas.
“(…)vamos de volta para a prisão. Tenho medo deste monte vazio de almas; tenho medo de andar solto, sem grilhetas…Que mas ponham, depressa, Gervasio, Gervasio!...
Pedro apertou os punhos em volta dos tornozelos e, por um minuto, voltou a sentir-se prisioneiro. Prisioneiro de homens quero ser, não prisioneiro do frio e da dor e da noite.” Pág. 115

“Contos Naturais“ apresenta-se tematicamente homogéneo e com interessantes variações estilísticas.
Usando, prioritariamente, um estilo que prima pela concisão da frase e clareza na mensagem, Carlos Fuentes opta, em alguns momentos, por estratégias diferentes. Note-se a sobreposição de imagens num momento em que Alberto tem febre alta:
“Sinto as suas mãos geladas sobre a minha pele quente. O avô agita a bengala e grita palavrões aos padres. O linimento tem um cheiro muito forte. Atiça os cães contra os padres. A eucalipto e a cânfora. Os cães limitam-se a ladrar, assustados”. Pág. 21
 O leitor é seduzido por uma prosa fluida, coerente e sem dispersão. O leitor envolve-se, facilmente, devido à musicalidade e clareza da prosa.
O factor surpresa é muito bem gerido pelo autor.
Estamos perante uma obra em que questões universais e intemporais como a liberdade, a moral, a consciência, a razão, a inocência consubstanciam, com sucesso, as diversas narrativas presentes no livro.



Mário Rufino

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